Manejo do Pirarucu no Vale do Javari

Projeto de Sustentabilidade e Proteção Territorial

Nós, povos indígenas do Vale do Javari, sempre buscamos formas de proteger nosso território e ao mesmo tempo garantir a subsistência das nossas comunidades, atentos à preservação ambiental. Dentro dessa lógica de cuidado e preservação, surge a nossa iniciativa de manejo comunitário do pirarucu, uma espécie emblemática e fundamental para a biodiversidade e para o bem viver de nossas aldeias.

Desde 2017, com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), iniciamos um processo de elaboração de etnomapas e levantamento dos ambientes hídricos da região. Este trabalho resultou no planejamento participativo do manejo dos recursos pesqueiros, envolvendo aldeias dos povos Matsés e Kanamari. A parceria com outras instituições, como IBAMA, FUNAI, SEBRAE, dentro outros, tem fortalecido nossa capacidade de realizar esse manejo de forma eficiente e sustentável. Nosso objetivo é não só proteger a espécie, mas também gerar renda para nossas comunidades, promovendo uma vida mais digna e fortalecendo a nossa autonomia​

No manejo do pirarucu, realizamos expedições e a contagem populacional desses peixes em lagos distribuídos pelo Vale do Javari. As aldeias envolvidas, como São Luís, Lago Grande, Lago Tambaqui, Caxias, Kohana, Santo Euzébio e Irari II, são exemplos de locais onde nossas comunidades atuam no monitoramento e conservação desses recursos pesqueiros. Em 2023, obtivemos a primeira liberação de cota do IBAMA, com a anuência da FUNAI, que nos permitiu capturar 144 pirarucus, totalizando cerca de 8.737 kg de peixe. Estes foram comercializados em feiras realizadas em Atalaia do Norte, e uma parte foi vendida para compradores no município de Tabatinga, gerando uma renda que foi distribuída entre 30 famílias participantes​

 

O manejo do pirarucu não se limita apenas à pesca, mas envolve uma série de atividades que incluem o fortalecimento da vigilância territorial e a recuperação dos estoques pesqueiros. Para nós, o manejo é uma maneira de preservar o nosso território contra invasores, garantindo que pescadores ilegais não esgotem os recursos que são essenciais para nossa alimentação e para a biodiversidade da região. Com a pesca planejada e a gestão territorial, conseguimos desenvolver um modelo de sustentabilidade que respeita a natureza e valoriza nossos conhecimentos tradicionais.

Um dos desafios do projeto é o escoamento da produção, especialmente durante períodos de estiagem. A logística para transportar o peixe das aldeias até a sede municipal muitas vezes é complicada pelas condições dos rios e pelas dificuldades de obter infraestrutura adequada, como gelo para conservar o pescado. Entretanto, com a adesão de novos parceiros e o fortalecimento das nossas atividades de manejo, temos conseguido superar alguns desses obstáculos e estamos otimistas para o futuro. Em 2024, pretendemos ampliar a nossa capacidade de captura e melhorar as condições para o escoamento e comercialização do peixe, sempre garantindo que a atividade seja sustentável e que os benefícios cheguem a todas as famílias envolvidas.

 

Além disso, estamos trabalhando em um acordo de pesca que regulamenta o uso dos recursos pesqueiros nas aldeias dos povos Kanamari e Matsés, estabelecendo regras claras para vigilância, contagem, pesca, monitoramento e divisão de benefícios. Esse acordo é uma ferramenta importante de gestão compartilhada e um exemplo de como a nossa organização pode contribuir para a sustentabilidade de nosso território.

 

Nosso projeto de manejo do pirarucu visa garantir a continuidade da nossa relação com a natureza e a preservação dos recursos que sempre foram parte do nosso modo de vida. Essa iniciativa é um exemplo de como a autossuficiência e o fortalecimento da nossa cultura caminham juntos, buscando sempre a proteção do território e a melhoria da qualidade de vida dos nossos povos. O manejo do pirarucu, para nós, é uma forma de resistência, de ocupar nosso território e de proteger aquilo que é nosso, não apenas para a nossa geração, mas para todas as gerações futuras.

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