O Jacamim, ave representada no logo da UNIVAJA, é um pássaro conhecido por acolher e chocar filhotes de outras espécies.
Na luta pelo Vale do Javari, o Jacamim significa a união entre os diferentes povos, que mesmo não tendo a mesma mãe, cultura ou língua, são parentes em aliança e irmandade pela defesa dos Povos Indígenas do Vale do Javari.
Essas reflexões e compartilhamento de memórias fizeram parte do Primeiro Encontro Estratégico de Comunicação da Univaja, realizado entre os dias 17 e 26 de setembro de 2024, na sede da UNIVAJA.
No dia 19 de setembro foi construído um momento que reuniu lideranças históricas e a coordenação da UNIVAJA para reforçar a trajetória de luta e resistência dos povos do Javari, reafirmando nosso compromisso de seguir unidos na defesa do nosso território e de nossa autonomia.
Como lembra nosso parente Clóvis Marubo, liderança histórica do movimento indígena do Vale do Javari, desde cedo entendemos que precisávamos lutar para garantir a dignidade de nossos povos.
Clóvis viu de perto o sofrimento de seus parentes: a morte de sua avó, os abusos dos patrões seringueiros e madeireiros, e a dificuldade na comunicação devido à distância entre as aldeias.
Esse sofrimento e injustiça geraram a revolta que acendeu a necessidade de organizar política a resistência, levando à criação do Conselho Indígena do Vale do Javari (CIVAJA) em 1991, e mais tarde, da UNIVAJA.
Darci Marubo destacou que o movimento indígena do Vale do Javari surgiu como uma resposta necessária ao contexto de opressão e falta de autonomia que vivíamos antes da Constituição de 1988.
Ele relatou que, naquele período, a FUNAI desempenhava o papel de “tutor” dos povos indígenas, tomando decisões por nós e não permitindo que tivéssemos voz própria. A iniciativa de unir os diferentes povos da região veio da necessidade de resistir à exploração de nosso território e garantir nossa autonomia.
Foi um processo desafiador, em que líderes, como ele e Clóvis Marubo, enfrentaram perseguições e resistências, inclusive sendo acusados de incitar os indígenas contra os interesses dos não-indígenas.
Porém, a criação de um movimento indígena integrado foi essencial para nossa luta por demarcação territorial e direitos básicos, como saúde e educação, que só conquistamos pela força da união dos povos do Javari.
Em 2 de maio de 2001, após mais de vinte anos de luta, conseguimos a homologação da Terra Indígena do Vale do Javari. Essa vitória foi resultado de um longo processo que envolveu a mobilização de nossas lideranças, aliados e apoio fundamental de organizações indigenistas. A demarcação da nossa terra foi um passo essencial para a proteção do nosso território e para a continuidade das nossas tradições e cultura.
Binã Matis, ancião e liderança histórica do Vale do Javari, nos conta que as lideranças, na demarcação da terra e na proteção contra invasores, tiveram significativa importância nessa luta. “Eu mesmo que prendia, eu mesmo que pegava o pescador. Eu ia mesmo na frente. Tinha muita polícia federal para acompanhar o conflito e quem guiava e puxava a mão deles era eu. Eu sabia andar no mato, eles não sabiam nada.”
A fundação da UNIVAJA, em 2010, durante uma assembleia na aldeia Matis Beija-Flor, no rio Ituí, consolidou a união dos povos do Vale do Javari em uma única organização que representa nossos interesses e direitos. Com o objetivo de defender nossos territórios, promover nossa autonomia e fortalecer a nossa voz frente aos desafios que se impõem, a UNIVAJA é a expressão da nossa resistência e do nosso compromisso com as futuras gerações.
Beto Marubo, representante da UNIVAJA em Brasília, reforça a importância da compreensão histórica para avançarmos:
“Precisamos atualizar um pouco, porque os tios falaram da história do passado. Mas a gente precisa compreender o que aconteceu até ontem, pra gente entender o que está acontecendo hoje.”
Para Beto, é essencial promover o intercâmbio entre diferentes gerações, visando a formação de novas lideranças e o fortalecimento da continuidade das lutas.
André Mayuruna, que cresceu no movimento indígena e é referencia das lutas dos povos do Javari, enfatizou que os desafios não começaram agora:
“Talvez os jovens que entraram agora não sabem, mas não foi fácil criar o movimento indígena. Isso porque naquele tempo, o movimento indígena era enganado por muita gente. Eles não sabiam o direito deles. Nem os caciques sabiam. E hoje eles sabem o direito deles.”
Bushe Matis e Thoda Kanamari, atuais coordenador e vice-coordenador da UNIVAJA, têm enfatizado a importância de preparar a juventude para assumir o papel de liderança e garantir a continuidade da nossa luta.
Como Bushe afirmou:
“Espero que nossa juventude venha para colaborar e contribuir. Ficar firme na governança, no fortalecimento. Fazendo manutenção para não cair o movimento indígena.”
Esse compromisso com as novas gerações é fundamental para que possamos construir um futuro de autonomia e força para os povos do Vale do Javari.
Rosa Marubo, que se destacou como uma das primeiras mulheres a atuar diretamente no movimento, lembra das dificuldades do passado:
“Antes eram só os homens, às vezes, nem tinha mulher. E a gente passou a querer participar, fazer reunião, fazer as mulheres ouvirem o que os homens estavam falando. A gente falava ‘temos que ajudar os homens, porque eles buscam educação, saúde’. Hoje em dia muitas mulheres participam. Elas apresentam, falam o que pensam.”
Eliésio Marubo também teve um papel fundamental ao incorporar a perspectiva jurídica à UNIVAJA. O procurador jurídico da organização reforça que lutar por direitos não é apenas uma questão de proteção territorial, mas também de dignidade e de garantir que nossos povos sejam reconhecidos e respeitados:
“Nós precisamos usar as leis deles (não indígenas) contra as injustiças que enfrentamos, para que sejamos ouvidos e nossos direitos sejam respeitados.”
A UNIVAJA é composta por sete organizações de base que são a referência de organização e representação nos territórios. Essas organizações atuam diretamente nas aldeias, garantindo que nossa representação seja verdadeiramente coletiva e inclua todas as nossas aldeias. Essas organizações são parte essencial da nossa luta pela autonomia e fortalecimento das comunidades.
César Marubo, ancião e liderança histórica do Vale, destaca que a importância das associações de base está em dar voz a todos os povos da região:
“Quando a gente começou, ninguém sabia o que era autoridade de cacique. A união foi fundamental para que todos se reconhecessem e fossem reconhecidos como iguais, sem divisões. Nossa união é fundamental para que possamos enfrentar os desafios que se impõem e proteger nosso território e modo de vida.”
Hoje, mais do que nunca, continuamos nossa luta pela proteção do Vale do Javari e pelo respeito à nossa cultura, nossos modos de vida e nossos territórios. Nossa união é nossa força, e nossa história é a prova de que resistência e luta são fundamentais para garantir nossos direitos e nossa existência enquanto povos indígenas. Honramos a memória das nossas lideranças e seguimos construindo um futuro de autonomia e dignidade para as próximas gerações.
Thoda Kanamari reforça o papel dos jovens e a necessidade de engajamento, conectando a juventude à base da luta:
“Os jovens, que não valorizam o movimento indígena, valorizando mais coisas dos não indígenas. Se os parentes não protegerem o território, os não indígenas não vão fazer. A responsabilidade não é só da UNIVAJA, é de todos os povos.”
Thoda, vice-coordenador da UNIVAJA, é um jovem que atua diretamente pelo fortalecimento da organização, mostrando que o engajamento da juventude é essencial para a continuidade e renovação da nossa luta.
É com essa força, união e sabedoria dos mais velhos, somada à determinação e energia dos jovens, que continuamos nossa caminhada, determinados a proteger nossas terras e a garantir um futuro digno para todos os povos do Vale do Javari.
A UNIVAJA foi reconhecida internacionalmente ao ser contemplada com o Prêmio Equador 2024, promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse prêmio destaca o trabalho da UNIVAJA pela proteção dos povos do Vale do Javari e pela preservação do território, em um momento de grandes desafios para as comunidades indígenas. O reconhecimento é um tributo à dedicação constante dos nossos parentes em defender a vida, a cultura e os direitos dos povos indígenas.
A premiação foi atribuída ao Projeto de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, que busca garantir a segurança de nosso território e monitorar incursões em uma área que abrange 8,5 milhões de hectares, lar de diversas comunidades indígenas e dos maiores grupos de povos isolados do mundo. O prêmio valoriza o uso da tecnologia e a organização coletiva como ferramentas para proteger nosso espaço sagrado, destacando a relevância da nossa atuação no combate à crise climática.
Este reconhecimento internacional é mais que apenas um prêmio, é um sinal de que nossa luta tem ecoado para além das fronteiras do Brasil. Cada passo que damos em direção à proteção de nosso território e ao fortalecimento dos povos do Vale do Javari é também um passo em prol da preservação da vida e da diversidade na Terra. Seguimos unidos, defendendo a nossa casa, nossas raízes e o futuro dos povos indígenas.
Nossa trajetória na luta por direitos e união
Primeira proposta de criação de um Parque Nacional, incluindo apenas duas áreas de ocupação dos povos Marubo e Matis, que visava a proteção de uma parte da região.
Primeira proposta de delimitação para todos os povos indígenas do Vale do Javari, que seria retomada pela Funai apenas em 1980.
Clóvis Marubo reuniões pelas aldeias do Vale do Javari para iniciar processo de união entre os povos indígenas da região.
A Funai retoma a proposta de delimitação e cria a interdição da área, mas as invasões de madeireiros e pescadores predatórios continuam, enquanto a Funai se mantém omissa.
Primeiros intercâmbios com povos de outras regiões para entender como o movimento indígena estava se organizando fora do Vale do Javari.
Levantamento etnográfico e fundiário legitimou a proposta de delimitação para um território unificado de diferentes povos da região.
Início da "Campanha Javari", uma iniciativa das organizações de apoio aos indígenas da região para pressionar pela demarcação e retirada dos invasores.
Criação do Conselho Indígena do Vale do Javari (CIVAJA). Clóvis Marubo e Darci Marubo se tornam os primeiros coordenadores. Clóvis relata que a criação da CIVAJA foi motivada pelas mortes e dificuldades enfrentadas pelas comunidades, como falta de saúde e educação.
Criação do projeto PPTAL, que garantiu a demarcação territorial, iniciada em 1996. Darci Marubo é eleito representante da COIAB e Clóvis segue na CIVAJA para fortalecer a articulação política.
Criação de um sistema de comunicação por radiofonia para as aldeias, garantindo autonomia na troca de informações e fortalecendo alianças.
A Terra Indígena Vale do Javari é finalmente declarada pelo Ministério da Justiça em dezembro de 1998, após anos de lutas e articulação.
Criação de base da saúde indígena no Vale do Javari, em Atalaia do Norte, garantindo um atendimento específico para as populações indígenas, além da formação de professores e agentes de saúde para fortalecer a educação e o cuidado no território. Clóvis Marubo relata que a FUNAI tentou mover o atendimento para Tabatinga, mas a luta dos povos garantiu que ele permanecesse no Vale do Javari.
A Terra Indígena Vale do Javari é homologada no dia 2 de maio de 2001.
Dissolução da CIVAJA e criação da UNIVAJA, que nasce com a missão de unificar e defender os direitos de todos os povos do Vale do Javari, tornando-se uma nova ferramenta de articulação política e defesa territorial.
Univaja é fundada, formalmente, em 5 de abril de 2010, com a finalidade de promover a nossa articulação, povos indígenas do Vale do Javari, para defender os nossos direitos.
Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Você pode escolher quais cookies deseja aceitar:
Site feito com <3 pelo Coletivo Proteja – Política de privacidade